Estudo revela motivos e perfil de quem atrasa aluguel no Brasil

A inadimplência no aluguel é discutida há décadas, mas raramente com o nível de detalhamento que permita entender quem atrasa, por que atrasa e como lida com esse atraso.

Um novo estudo da Loft em parceria com a Offerwise joga luz sobre esse fenômeno ao investigar não apenas as condições econômicas dos locatários, mas também o papel — real e percebido — das apostas online na capacidade de pagar o aluguel.

A pesquisa entrevistou entre 26 de setembro e 7 de outubro 1.300 locatários de todo o Brasil, numa amostra representativa desse público, e desenha um retrato preciso: a inadimplência continua sendo um problema concentrado nos perfis mais vulneráveis, movido por instabilidade econômica e orçamentos apertados.

Ao mesmo tempo, revela que, mesmo sob pressão, o aluguel segue como prioridade para o brasileiro.

Inadimplência do aluguel entre jovens: renda instável e orçamento no limite

Apenas 23% dos locatários atrasaram o aluguel no último ano, segundo o estudo. Outras despesas tiveram percentual consideravelmente maior: cartão de crédito (53% dos locatários), luz e energia (42%) e internet/TV a cabo (32%).

O perfil dos inadimplentes do aluguel não é homogêneo: concentra-se em jovens entre 18 e 24 anos (33%) e entre os 25 e 34 anos (34%); moradores das classes C (42%); e famílias com mais pessoas vivendo sob o mesmo teto (64% são de famílias com filhos).

Esses inquilinos apresentam algumas características em comum:

  • maior dependência de renda variável, como trabalhos informais, bicos ou benefícios governamentais;
  • maior taxa de desemprego: 24% de inadimplentes nesse grupo, ante 14% entre os empregados;
  • orçamentos com pouca margem de manobra, frequentemente comprometidos com dívidas e despesas essenciais.

Por que o brasileiro atrasa o aluguel: desemprego lidera com folga

Entre os motivos citados pelos inadimplentes, o estudo destaca três fatores centrais:

  • Desemprego ou redução de renda (42%)
  • Gastos imprevistos (27%) — emergências de saúde, consertos, despesas inesperadas
  • Despesas fixas altas (23%) — contas básicas que pressionam o orçamento mesmo em meses “normais”

O aumento do aluguel aparece mais abaixo na lista (17%).

Como o inquilino lida com o atraso do aluguel: negociar, priorizar, ajustar

Quando o atraso acontece, a maioria dos locatários recorre a estratégias tradicionais e pragmáticas:

  • Priorizar o aluguel em relação a outras contas (32%)
  • Pagar parcialmente e completar depois (28%)
  • Negociar prazo ou parcelamento com proprietário ou imobiliária (25%)

A solução mais rara é “não fazer nada”. Mesmo sob pressão financeira, o inquilino brasileiro demonstra empenho para manter o contrato em dia. De fato, 64% dos inadimplentes conseguiram regularizar o pagamento dentro do prazo de tolerância do contrato.

Esse comportamento reforça um traço histórico do mercado de locação no Brasil: a moradia continua sendo um bem de altíssima prioridade, acima de quase todas as demais despesas.

Rotatividade alta no aluguel: 41% querem se mudar — e a instabilidade pesa

Quatro em cada dez locatários pretendem se mudar nos próximos meses, segundo a pesquisa. O desejo é mais forte entre jovens, moradores de capitais e regiões metropolitanas — públicos marcados por mobilidade laboral.

Entre os inadimplentes, o índice é ainda mais alto: 51% querem mudar. E, nesse grupo, 35% dizem que a mudança não é escolha, mas necessidade — seja por dificuldade de manter o valor atual, seja por solicitação do proprietário.

A rotatividade é, portanto, tanto sintoma de ciclos familiares (casamento, separação, filhos) quanto de restrições econômicas.

Apostas online e inadimplência do aluguel: estigma alto, impacto menor

O estudo se propõe a investigar um tema sensível: apostas online e inadimplência. Os resultados mostram que esse fator já é relevante, ainda que não esteja entre os mais citados como explicação para o atraso do pagamento.

Trinta e um por cento dos locatários afirmam que atrasaram o aluguel por causa das apostas ou conhecem alguém que passou pelo problema. Mas apenas 6% dizem que eles próprios atrasaram o aluguel.

Os dados mostram que parte importante das pessoas não se sente à vontade para reconhecer que aposta (60% afirmaram sentir algum nível de constrangimento para contar a outras pessoas). Ou seja, o impacto das apostas pode estar subestimado nas respostas sobre o porquê do atraso no pagamento do aluguel. Mas, de qualquer forma, as bets não estão entre os principais motivos para os atrasos.

Conclusão: inadimplência do aluguel é produto da desigualdade, não do acaso

A leitura dos dados mostra um padrão claro: a inadimplência do aluguel cresce onde a renda é instável, onde o desemprego está mais presente e onde o orçamento já está comprometido com despesas básicas.

As apostas não aparecem como causa estruturante — mas como parte do ecossistema de incerteza econômica em que muitos brasileiros vivem.

Por outro lado, a pesquisa também reforça a resiliência histórica do mercado de locação: o aluguel continua sendo tratado como compromisso central. Mesmo pressionado, o inquilino se esforça, negocia, ajusta e prioriza.

Em um país de grandes contrastes econômicos, esse comportamento revela algo que permanece constante ao longo do tempo: a moradia segue sendo o último pilar a cair.

Fábio Takahashi

Editor-executivo do Portas. Jornalista e gerente de dados da Loft desde 2021, trabalhou por 18 anos na Folha de S.Paulo, como repórter e editor da equipe de jornalismo de dados. É diretor da fellowship sobre primeira infância para jornalistas brasileiros do Global Center For Journalism and Trauma. Foi consultor de dados da Sala Digital, iniciativa do Grupo Bandeirantes em parceria com o Google; Spencer Fellow, programa de jornalismo educacional na Universidade Columbia (NY); co-fundador e presidente da Jeduca (Associação de Jornalistas de Educação).

Editor-executivo do Portas. Jornalista e gerente de dados da Loft desde 2021, trabalhou por 18 anos na Folha de S.Paulo, como repórter e editor da equipe de jornalismo de dados. É diretor da fellowship sobre primeira infância para jornalistas brasileiros do Global Center For Journalism and Trauma. Foi consultor de dados da Sala Digital, iniciativa do Grupo Bandeirantes em parceria com o Google; Spencer Fellow, programa de jornalismo educacional na Universidade Columbia (NY); co-fundador e presidente da Jeduca (Associação de Jornalistas de Educação).