Neste episódio do podcast Portas Entrevista — disponível em vídeo logo acima — Ricardo Kauffman e Fábio Takahashi recebem a advogada Raquel Queiroz, referência nacional em locações que estuda a reforma tributária e suas implicações para o mercado imobiliário. Esta é a parte 1 de uma conversa densa, técnica e decisiva para quem atua no setor imobiliário. A entrevista foi dividida em duas partes porque o tema é complexo, cheio de transições e impactos práticos imediatos nas imobiliárias.

O que você vai aprender neste episódio

  • Por que a reforma tributária é considerada a mudança mais estrutural do século para o setor.
  • A lógica do IVA Dual e sua relação com o pacto federativo.
  • O que muda para locadores pessoa física e jurídica.
  • Como o aluguel passa a ser tratado como consumo.
  • Quem será contribuinte do IVA e por que a regra diferencia perfis de locadores.
  • Por que as imobiliárias precisam agir agora, e não apenas em 2026.

A complexidade da reforma tributária no mercado imobiliário

Logo no início do episódio, Raquel reforça que estamos diante de uma transformação estrutural que dialoga diretamente com o cenário global. Segundo ela, o Brasil vinha mantendo um modelo de tributação distante do resto do mundo, o que travava competitividade e impactava no PIB. Como destacou Raquel, a mudança não é isolada — ela se conecta à reforma trabalhista e à necessidade de uma reforma administrativa.

“O Brasil não consegue fazer negócios com o resto do mundo em desconformidade com o resto do mundo.” — Raquel Queiroz

Essa visão contextual explica por que a advogada considera a reforma tributária uma espécie de “demolição” que permite reconstruir toda a lógica tributária do consumo.

Entendendo o IVA Dual: por que ele é dual?

A dúvida mais comum entre profissionais do mercado é: por que o imposto de valor agregado brasileiro será dual? Raquel explica que isso decorre diretamente do pacto federativo. A Constituição distribui competências tributárias entre União, estados e municípios, e, portanto, a criação de um único tributo nacional não seria constitucional.

“A reforma vem pela Constituição. Para mudar o sistema, você precisa mexer no que está na base — e isso inclui respeitar a competência de estados e municípios.” — Raquel Queiroz

Assim, o IVA Dual divide o tributo entre:

  • Imposto sobre Bens e Serviços (IBS): repartido entre estados e municípios, substituindo ICMS e ISS.
  • Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS): de competência da União, substituindo PIS e COFINS.

Durante a transição, todos conviverão com o sistema atual e o novo, o que aumenta a complexidade para imobiliárias, locadores e administradores.

Por que o aluguel passa a ser considerado um consumo?

Um dos pontos mais sensíveis é a mudança de interpretação sobre a locação. Raquel explica que, embora no direito civil o contrato seja a troca de posse por dinheiro, a reforma passa a enxergar a posse como insumo. Assim, a locação deixa de ser neutra e passa a integrar o campo dos tributos sobre consumo.

Mas quem será contribuinte do IVA?

A regra diferencia dois perfis:

  • Locador habitual (o investidor “profissional”): entra na incidência do IVA.
  • Locador eventual: este perfil, que frequentemente depende do aluguel para complementar renda, fica fora da incidência.

De acordo com Raquel, o objetivo é preservar o caráter social da locação residencial como política de moradia.

“Quem tem até três imóveis e recebe até R$ 240 mil por ano fica fora da tributação do IVA.” — Raquel Queiroz

Ela reforça que se trata de um limite cumulativo: é necessário ultrapassar os dois critérios para se tornar contribuinte.

Nota fiscal para pessoa física: o que muda?

Um ponto que gera muitas dúvidas é a emissão de nota fiscal pelo locador pessoa física. Raquel esclarece que não será necessária abertura de MEI ou empresa. Em algumas cidades, como o Rio de Janeiro, a prefeitura já oferece sistemas de emissão de nota fiscal para PF — mas isso ainda variará entre municípios.

Quando as imobiliárias precisam agir?

Segundo Raquel, a resposta é inequívoca: agora. Isso porque contratos celebrados até 16 de janeiro de 2025, se devidamente averbados ou registrados até dezembro de 2025, permanecem sob a regra antiga. Para contratos novos, a lógica do IVA já precisa ser considerada.

Além disso, 2026 será um ano de testes — não arrecadatório —, devido a ajustes que ainda precisam ocorrer; muitas prefeituras ainda não estão prontas, por exemplo, para tratar a nota fiscal de pessoa física, o que exige acompanhamento ativo das imobiliárias.

Destaques rápidos

  • O aluguel passa a ser considerado consumo e entra no campo do IVA.
  • Locadores com até 3 imóveis e renda anual até R$ 240 mil ficam isentos.
  • Locador PF contribuinte terá de emitir nota fiscal.
  • 2026 será ano de transição técnica, não arrecadatória.
  • Contratos celebrados e registrados antes de 16/01/25 podem seguir regra antiga.

Mini-FAQ — A visão da Raquel Queiroz

1. Vale esperar 2026 para ajustar contratos e sistemas?

Na visão da Raquel, não. A transição começa antes e envolve contratos já assinados, a necessidade de registro e a preparação para emissão de nota fiscal por locadores PF.

2. Toda locação será tributada pelo IVA?

Não. Locadores até o limite de três imóveis e renda anual inferior a R$ 240 mil permanecem fora da incidência — uma proteção ao caráter social da moradia.

3. A pessoa física terá de virar empresa para pagar IVA?

Não. O contribuinte PF emitirá nota fiscal como pessoa física, conforme o sistema da prefeitura local.

4. A reforma mexe no Imposto de Renda do aluguel?

Segundo Raquel, não. O IR permanece como é hoje, pois a reforma trata exclusivamente do consumo.

O que aprendemos com este episódio

Neste primeiro capítulo da conversa com Raquel Queiroz, entendemos os fundamentos da reforma tributária, a lógica do IVA Dual e seus efeitos diretos no mercado imobiliário. Também ficou claro que as mudanças não são apenas técnicas: elas carregam uma intenção estrutural de alinhar o Brasil ao sistema tributário global.

A parte 2 se aprofunda na prática: contratos, split payment, sistemas, ERP, ajustes internos e o que as imobiliárias precisam ter pronto já em 2025.

Marina Galesso
Marina Galesso

Marina Galesso é editora de podcast do Portas. Formada em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP) e atualmente cursando Jornalismo também na USP, integra o time de Comunicação da Loft. Produz o Portas Entrevista, podcast que traz conversas com líderes e expoentes do mercado imobiliário.

Marina Galesso é editora de podcast do Portas. Formada em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP) e atualmente cursando Jornalismo também na USP, integra o time de Comunicação da Loft. Produz o Portas Entrevista, podcast que traz conversas com líderes e expoentes do mercado imobiliário.