financiamentos imobiliários com poupança
Imagem: Boris Ipatov/iStock

O governo redesenhou o uso do dinheiro da poupança que financia imóveis. Hoje, os bancos precisam destinar parte da poupança ao crédito imobiliário (SFH) e manter outra parte parada como compulsório*, sobrando um pedaço menor para uso livre.

O novo modelo destrava esse arranjo: reduz o compulsório e, no lugar do direcionamento rígido, cria um mecanismo de “matching” — o banco que captar recursos no mercado especificamente para financiamento imobiliário ganha o direito de usar mais poupança barata com liberdade (dentro de regras).

Ao mesmo tempo, a maior parte dos contratos segue ancorada no SFH, que limita a taxa para o mutuário típico; ou seja, há mais combustível para emprestar sem desmontar a proteção a quem financia.

No curto prazo, entra mais liquidez no sistema e os bancos tendem a reabrir caixas de crédito, alongar prazos e aprovar famílias que estavam na linha do corte — especialmente no tíquete de classe média.

Em paralelo, ajustes no FGTS preservam recursos para a habitação popular e o Minha Casa Minha Vida mais abrangente ajuda a organizar a demanda. Não é queda automática de juros (a Selic ainda pesa), mas é um destravamento operacional: com mais funding e incentivos melhor desenhados, o mercado ganha previsibilidade para originar agora e escala conforme a regulação avance; se o ciclo de juros aliviar, o efeito tende a se multiplicar.

*Compulsório: a parte dos depósitos que os bancos são obrigados a manter parada.

Quem traz água gira a válvula…

Imagina um condomínio. O síndico é o governo e a caixa d’água é a poupança que todos os condôminos (a população) abastecem. Pela regra antiga, do que entra na caixa: 65% era obrigatoriamente devolvido aos próprios moradores para banho (crédito imobiliário no SFH), 20% ficava guardado como reserva de segurança (compulsório) e só 15% podia ser usado como o condomínio quisesse (regar jardim etc.).

Agora, o síndico propõe trocar essas travas por um combinado simples: o condomínio pode usar a água com mais liberdade, desde que traga água equivalente de fora na mesma proporção — isto é, quem captar água extra (os bancos levantando recursos no mercado) ganha o direito de usar mais água barata da caixa (poupança) para outras torneiras. Na prática, isso aumenta a vazão do sistema.

Detalhe importante para não perder o espírito do acordo: a maior parte da água continua priorizada para banho (financiamento imobiliário) e com regulador de pressão ligado (as regras do SFH que ancoram a taxa). O que muda é que, trazendo água de fora, o condomínio ganha flexibilidade para direcionar uma parcela maior da água barata a outros usos — inclusive empréstimos fora do SFH, onde os juros não têm o mesmo teto.

O que fica protegido

O SFH permanece como âncora do mercado de entrada e classe média: teto de juros para a maioria dos contratos, regras claras e previsibilidade da parcela. Além disso, o teto do valor do imóvel no SFH foi atualizado para R$ 2,25 milhões, evitando expulsar famílias para linhas mais caras em cidades onde o preço subiu.

No curto prazo: o que você deve sentir

Não espere “queda automática” dos juros que os bancos privados aplicam ao consumidor. Os primeiros sinais tendem a ser mais aprovações, prazos mais longos e caixas de crédito reabrindo. À medida que a regulação infralegal detalha o funcionamento e a captação de mercado ganha tração, o sistema escala. Se a Selic ceder adiante, o encanamento já preparado acelera o repasse de condições melhores (e aí sim o consumidor vai se aproveitar de juros menores).

As peças que se conectam

FGTS: novas regras do saque-aniversário limitam antecipações e preservam recursos, estabilizando a base de habitação popular.

Classe média: com teto do SFH em R$ 2,25 milhões, mais famílias permanecem dentro das regras protetivas.

Oferta de crédito: o novo modelo tem estimativa oficial de reforço de liquidez no 1º ano (com parcela imediata relevante) e projeções setoriais de mais contratos até 2026, especialmente no tíquete de classe média.

Perguntas e respostas

PerguntaResposta curta e didática
O fim/afrouxamento do compulsório e o novo direcionamento ampliam a oferta mesmo com juros altos?Sim, de forma gradual. Libera liquidez e reabre caixas; o ganho aparece primeiro em aprovação e prazo, não necessariamente em taxa menor de imediato.
A elevação do teto do SFH para R$ 2,25 milhões ajuda a classe média?Ajuda e atualiza. Mantém famílias no SFH onde os preços subiram e amplia elegíveis sob regras protetivas.
Saques na poupança e Selic alta podem atrapalhar?São ventos contrários. O novo desenho mitiga com flexibilidade e captação de mercado, mas o juro ainda pesa no custo.
O que muda com o saque-aniversário do FGTS?Mais previsibilidade ao popular. Menos drenagem fortalece o funding da habitação social.
Abrir espaço para instituições sem poupança aumenta a concorrência?Tende a aumentar. Mais players com funding alinhado pressionam spreads** e melhoram o serviço; o preço final depende de juros e risco.

**Spread: a diferença entre o que o banco paga para captar e o que cobra no empréstimo.

Resumo

Norma: Resolução do CMN (10/10/2025), que institui o novo modelo e atualiza tetos do SFH.

Transição: implementação gradual até janeiro/2027 (com fase de teste/ajustes em 2026).

Teto do SFH: R$ 2,25 milhões (vigência a partir da publicação).

FGTS (saque-aniversário): novas regras a partir de 1/11/2025; preservação estimada de R$ 84,6 bi até 2030.

Liquidez estimada (1º ano): R$ 111 bi viabilizados; R$ 36,9 bi imediatos; R$ 52,4 bi adicionais em relação ao arranjo antigo.

Tração esperada: +80 mil financiamentos (projeção da Caixa) até 2026.