
O mercado imobiliário se alimenta de previsibilidade. Quando o risco é distribuído com clareza, os custos caem, o investimento cresce e o sistema se torna mais justo para todos. A recente decisão do STJ sobre a dívida condominial é mais um passo nessa direção.
A Força da Regra Clara
Toda relação econômica que se mantém é, no fundo, uma relação equilibrada. Um sistema que beneficia apenas um lado está fadado a falhar, pois afugenta o investimento e gera instabilidade. No mercado imobiliário, essa lógica se repete: ajustes que, à primeira vista, parecem onerar uma parte, acabam criando uma base mais firme que beneficia o conjunto.
Existem exemplos fortes disso em nossa história legal.
Lições do Passado: Risco e Recompensa na Lei
Em dois momentos chave, o direito imobiliário brasileiro adotou regras que, ao aparentemente dificultar a vida de inquilinos ou mutuários, trouxeram a segurança que o setor precisava para prosperar:
A Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91): Antes da lei, os proprietários tinham dificuldade para reajustar aluguéis e retomar imóveis. O risco de ter um patrimônio corroído pela inflação era alto. Ao dar ao proprietário o direito de reajustar o aluguel e buscar valores de mercado (revisão), a lei impôs um ônus de mercado mais realista ao inquilino. O resultado? O risco menor incentivou a oferta de imóveis para locação. Mais oferta significa, na ponta, melhores preços e mais opções para quem busca alugar.
A Alienação Fiduciária: Este mecanismo tornou a compra financiada mais segura para o credor. Até a quitação, o imóvel pertence ao banco. Isso é um risco claro para o mutuário: o bem pode ser retomado de forma mais simples em caso de falta de pagamento. A contrapartida desse risco menor para o banco é crucial: o custo do crédito cai. Menos risco de calote significa juros menores, e juros menores tornam o financiamento mais acessível ao comprador final.
A Decisão do STJ: O Novo Equilíbrio da Planta
É com essa visão que devemos encarar a recente decisão da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de 14 de outubro de 2025 (REsp 2.147.665).
O STJ definiu que o comprador, cujo nome já está na matrícula do imóvel, responde legalmente pela cota condominial – a obrigação propter rem – mesmo que a construtora não tenha entregue as chaves.
Sim, isso é um ônus novo para quem compra na planta. Exige que o novo dono planeje o pagamento do condomínio antes de ocupar o imóvel, restando-lhe apenas o direito de buscar o ressarcimento contra o vendedor (direito de regresso).
Mas qual o ganho de mercado aqui? A resposta está na previsibilidade e na corresponsabilidade.
Saúde do Condomínio
A comunidade dos proprietários ganha um caminho direto e rápido (execução extrajudicial) para garantir o recebimento das taxas. Com o caixa mais saudável, evita-se que os adimplentes paguem a conta dos atrasos, protegendo o valor de todo o patrimônio.
Investimento Consciente
A regra obriga o comprador a ser um investidor mais criterioso. Saber que o registro na matrícula aciona o custo faz com que ele pressione por clareza contratual e prazos de entrega mais realistas. O novo dono se torna mais ativo e vigilante em relação ao andamento da obra e à gestão do condomínio.
Voz e Comando
Se você paga, você tem direito de mandar. A responsabilidade financeira estimula a participação ativa do novo proprietário na vida condominial. Todos os donos passam a ter um interesse fiscal direto e imediato na gestão do bem comum.
Ao transferir o risco da inadimplência do condomínio (o coletivo) para a relação direta entre comprador e construtora, o STJ não complica, ele organiza. O tribunal reforça que a matrícula é o documento mestre do mercado. Ao equilibrar a balança, dando segurança para o fluxo de caixa do condomínio e clareza de risco para o comprador, o sistema se torna mais transparente, seguro e, no fim, mais eficiente, reduzindo as incertezas que costumam encarecer o metro quadrado no Brasil.