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Análise & Opinião

Tokenização imobiliária: disputa institucional e o que realmente muda

Tokenização imobiliária sai do laboratório e entra na agenda regulatória: entenda a disputa entre COFECI-CRECI e ONR/CNJ e o que muda para o mercado.

Dmytro Varavin/iStock
Dmytro Varavin/iStock

A tokenização de imóveis deixou o laboratório e entrou na agenda regulatória. Depois que o sistema de intermediação publicou diretrizes para transações digitais, registradores acionaram o Conselho Nacional de Justiça em busca de uma regulamentação específica para tokens imobiliários. O setor vive um cabo-de-guerra institucional, com impactos diretos na segurança de quem compra, vende e investe.

O que está acontecendo

Em agosto de 2025, o sistema COFECI-CRECI publicou a Resolução nº 1.551, que regulamenta a emissão, negociação e custódia de Tokens Imobiliários Digitais (TIDs) no âmbito da intermediação.

Semanas depois, em setembro, o ONR (Operador Nacional do Registro Eletrônico de Imóveis) levou ao CNJ um pedido de norma própria para representações digitais lastreadas em imóveis, argumentando que o tema toca o registro público e precisa de trilhos específicos.

A disputa foi revelada pelo Valor Econômico, ganhou espaço no noticiário econômico e acendeu alertas no mercado.

Antes de falar propriamente da notícia, vale entender — de forma simples — o que é tokenização no contexto do mercado imobiliário.

Tokenização, em bom português

Ideia central: tokenização é transformar um direito ligado a um imóvel em uma representação digital que pode ser emitida, negociada e acompanhada em plataformas especializadas. No Brasil de hoje, isso normalmente significa direitos econômicos (por exemplo, uma parte do aluguel ou de um recebível) — não a própria matrícula do imóvel. Quando essa representação tem natureza de investimento, ela passa a seguir as regras do mercado de capitais.

Uma analogia: pense numa empresa que administra um prédio e recebe os aluguéis. Em vez de vender o prédio, ela oferece cotas do fluxo de receitas — cada cota é um token. Quem compra a cota participa da renda, com regras transparentes e rastreáveis. A propriedade do imóvel continua onde sempre esteve: no Registro de Imóveis.

Por que interessa: fraciona tíquete, amplia o acesso do investidor e melhora a transparência — desde que exista uma ponte clara entre o token e o que ele representa (contratos, matrícula, documentos). E, quando for investimento, valem as regras de oferta, distribuição e supervisão aplicáveis. Ou seja, é bem provável que mais sejam inseridas no mundo dos investimentos por meio de plataformas mais amigáveis, fáceis de usar e seguras.

Voltando à disputa: o que cada instituição quer

Registro público (coordenação CNJ/ONR): defende que representações digitais ligadas a direitos reais precisam de diretrizes próprias no sistema registral, elaboradas por órgão sem conflito de interesse comercial, para evitar insegurança jurídica e proteger consumidores e investidores. O pedido ao CNJ busca estabelecer regras uniformes e tecnicamente viáveis para todo o território nacional.

Sistema de intermediação (COFECI-CRECI): regulamentou a atuação profissional de corretores e imobiliárias em transações digitais e tokens, com credenciamento de plataformas e definição de responsabilidades. Argumento: tokens imobiliários são comercializados por profissionais da intermediação, logo precisam de regras claras para essa atuação — assim como qualquer outra forma de negócio imobiliário.

Mercado financeiro (CVM/BCB): quando o token representa um investimento (direito econômico, recebível, rendimento), aplicam-se as regras da CVM; para infraestrutura de pagamento e liquidação, entra o Banco Central — e, no horizonte, o Drex pode trazer liquidação mais ágil e programável. Essas camadas regulatórias não substituem o registro público: complementam.

O que muda (agora) para quem opera

Produto certo no trilho certo: se o token representa renda ou recebível, segue as regras de investimento da CVM; se promete transferir propriedade ou outro direito real sobre o imóvel, precisa passar pelo Registro de Imóveis — e é justamente nessa segunda situação que está a indefinição regulatória atual.

Linguagem honesta com o cliente: “virar dono do imóvel com um clique” ainda não existe; existe investir na renda daquele imóvel com regras visíveis e auditáveis.

Tecnologia como meio, não fim: plataformas digitais e, futuramente, o Drex ajudam na agilidade e transparência da liquidação — mas a segurança jurídica continua dependendo de documentos bem estruturados, registros públicos atualizados e supervisão adequada ao tipo de operação.

Minha visão

A participação do sistema COFECI-CRECI é inevitável: trata-se da autarquia que organiza e normatiza a intermediação — tanto de empresas quanto de profissionais.

Já a presença do ONR é bem-vinda para consolidar uma regra única, uniforme e horizontal, tecnicamente viável, que converse com o que já está sob análise e instrução da CVM e do Banco Central. No fim, o que importa é o cliente final: serviços mais ágeis, linguagem simples e compatível com a era digital — sem atalhos que confundam token com título de propriedade.