reforma tributária e IPTU

Aprovada após mais de 30 anos de debate, a reforma tributária começou a ser implementada no país em 2023, com a promessa de simplificar o complexo e burocrático sistema tributário brasileiro. O tema, no entanto, continua gerando dúvidas e receios entre contribuintes — em especial entre proprietários de imóveis, que temem ver o IPTU pesar mais no bolso com as novas regras.

Neste artigo, o Portas conversou com dois especialistas para entender como o tributo mais conhecido dos donos de imóveis do país será afetado pelas alterações já aprovadas até o momento. A seguir, você confere:

  • O que é a reforma tributária
  • Quais as novidades no IPTU trazidas pela reforma?
  • Como a reforma tributária afeta o valor do IPTU?
  • É verdade que a reforma tributária pode gerar um aumento generalizado do IPTU?
  • O que o proprietário precisa fazer?
  • O impacto será o mesmo em todas as cidades?
  • E se o proprietário não concordar com o novo valor venal do imóvel?
  • Perguntas frequentes (FAQ)

O que é a reforma tributária?

A reforma tributária é um conjunto de mudanças nas regras de cobrança de impostos no Brasil, aprovado em etapas entre 2023 e 2025 por meio de emendas constitucionais, leis complementares e outros dispositivos legais.

O objetivo central é simplificar o sistema tributário do Brasil, conhecido por ser um dos mais complexos e burocráticos do mundo. Segundo um estudo de 2022 do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), desde a promulgação da Constituição de 1988, o Brasil editou mais de 460 mil normas tributárias, o que gera uma média de 37 normas tributárias novas por dia útil.

A reforma teve início em 2023, com a promulgação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45/2019, que foi convertida na Emenda Constitucional 132/2023.

Um dos principais pontos do texto é a substituição de cinco tributos (PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI) por um chamado “IVA dual”, ou seja: um tributo composto pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) a nível federal, e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) a nível de estados e municípios.

No início de 2025, foi promulgada também a Lei Complementar nº 214/2025, que regulamentou a Reforma, estabelecendo definitivamente a criação do IBS e da CBS — além de trazer mais detalhes sobre isenções, funcionamento do Imposto Seletivo (que visa desestimular o consumo de produtos como cigarro e bebidas alcoólicas) e a estrutura geral do novo sistema.

Quais as novidades no IPTU trazidas pela reforma?

Até o momento, a reforma tributária teve como foco a reestruturação dos impostos de consumo e serviços (PIS, COFINS, IPI, ICMS e o ISS). O Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) é um imposto sobre propriedade e não foi o foco das alterações promulgadas na Emenda Constitucional 132/2023.

Mesmo assim, as mudanças já concretizadas causam impacto no cálculo envolvido no tributo.

Segundo o advogado Rafael Verdant, sócio do Albuquerque Melo Advogados, as principais alterações para o IPTU vieram com a alteração do artigo 156 da Constituição pela Emenda Constitucional nº 132/2023. O texto prevê que os municípios podem ter sua base de cálculo atualizada pelo Poder Executivo.

“Ou seja, a partir de agora, os municípios podem atualizar a base de cálculo do IPTU por decreto do Executivo [no caso, da Prefeitura], desde que os critérios para essa atualização estejam previamente definidos em lei municipal”, explica Verdant.

No caso do IPTU, essa base de cálculo é o valor venal do imóvel, que é calculado pelas Prefeituras seguindo leis municipais específicas — usando como base, por exemplo, instrumentos como a Planta Genérica de Valores (PGV), onde são descritos os valores de metro quadrado utilizados.

Até a aprovação da reforma tributária, a atualização da base de cálculo do IPTU precisava ser aprovada por lei municipal em sentido formal, ou seja, votada pela Câmara de Vereadores. A EC 132/2023, porém, abriu caminho para que prefeitos façam essas mudanças de maneira mais ágil, via decreto, desde que respeitem critérios definidos na legislação municipal.

“Isso não significa que as prefeituras poderão mudar as alíquotas diretamente por decreto. A alíquota, em geral, deve ser definida por lei municipal, enquanto ajustes na base de cálculo podem ser feitos administrativamente”, ressalta o advogado tributário Luís Garcia, sócio do MLD Advogados Associados.

Além disso, uma das leis complementares da reforma tributária — a Lei Complementar nº 214/2025 — regulamentou a criação do Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB), que foi apelidado de “CPF do imóvel” porque irá gerar um número único para cada propriedade. Esse cadastro reunirá informações de municípios e cartórios e será uma espécie de “inventário” do imóvel.

Esse cadastro será integrado ao Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter), lançado em 2022 pela Receita Federal justamente com o objetivo de integrar dados cadastrais, geoespaciais, ambientais, fiscais e jurídicos de imóveis urbanos e rurais, produzidos por órgãos públicos e cartórios.

Essas inovações irão permitir que os municípios tenham uma base de dados imobiliária mais completa e precisa para calcular o valor venal dos imóveis.

Ou seja, com a reforma tributária, os municípios:

  • Poderão atualizar a base de cálculo do IPTU via decreto (desde que respeite as leis municipais existentes), e não mais somente por meio do legislativo local;
  • Terão uma base de dados mais atualizada e completa para estabelecer essa base de cálculo, graças ao CIB.

Como a reforma tributária afeta o valor do IPTU?

Para além dos novos recursos disponibilizados às Prefeituras listados anteriormente, o ponto principal de alteração no IPTU é a atualização do valor venal dos imóveis.

“O valor venal de um imóvel é a estimativa de seu valor de mercado para fins de tributação. Atualmente, ele é calculado com base em critérios como localização, características do imóvel e transações anteriores”, explica o advogado tributário Luís Garcia.

O que ocorre hoje é que, em muitos municípios, utiliza-se um valor venal para um imóvel defasado com relação aos preços praticados no mercado.

Assim, a reforma tributária não cria um novo imposto e nem altera as alíquotas de IPTU. Mas o entendimento é o de que, com mais dados disponíveis, as prefeituras podem atualizar os valores venais. E, se o valor usado como base para calcular o IPTU aumentar, o valor do tributo consequentemente irá subir.

É verdade que a reforma tributária pode gerar um aumento generalizado do IPTU?

Na visão de ambos os especialistas ouvidos pelo Portas, não é possível afirmar que a reforma tributária irá aumentar de forma generalizada os valores de IPTU.

“O impacto pode variar de município para município, dependendo de como cada prefeitura irá implementar as mudanças e dos critérios adotados para o cálculo do imposto”, explica Luís Garcia.

De forma semelhante, Rafael Verdant pontua que a tendência de aumento dependerá, em grande parte, da cidade em questão. “Em centros urbanos onde os valores venais estão defasados ou há muitas construções irregulares, a integração dos dados pelo CIB permitirá uma fiscalização mais eficaz. Nesses locais, a chance de um aumento no IPTU é alta, já que o valor passará a refletir a realidade do imóvel”.

“Por outro lado, em municípios que já têm uma Planta Genérica de Valores (PGV) atualizada, o impacto será mínimo, pois a prefeitura já possui dados precisos”.

O que o proprietário precisa fazer?

Para Rafael Verdant, o principal a ser feito por um proprietário é manter os registros públicos do imóvel atualizados.

“Antes, o proprietário só se preocupava com a regularização do imóvel em casos específicos, mas agora a precisão e atualização das informações se tornam cruciais para todas as transações. Com o CIB, qualquer divergência nas informações do imóvel pode travar operações importantes”.

“Isso significa que detalhes como metragem, área construída e benfeitorias precisam estar corretos em todos os sistemas. Além disso, a regularização de novas construções e reformas se torna ainda mais importante, já que a falta de informação correta pode ser facilmente identificada”, complementa.

Vale ressaltar que, segundo o governo federal, a inscrição no CIB não terá custo para o cidadão.

Assim, alguns passos que já podem ser tomados por quem tem um imóvel são:

  • Revisar matrícula e cadastro da propriedade junto à prefeitura para se certificar de que mudanças como reformas e benfeitorias estão devidamente registradas;
  • Conferir se a metragem declarada corresponde à real;
  • Organizar documentos para eventual contestação administrativa.

O impacto será o mesmo em todas as cidades?

Apesar das mudanças no cálculo e na cobrança do IPTU serem discutidas em âmbito nacional, a implementação dessas regras por parte de cada município tende a variar consideravelmente.

“Em cidades como São Paulo, que já possuem travas legais que limitam o aumento anual do imposto, o impacto da modernização dos cadastros será amortecido, evitando grandes saltos no valor cobrado”, opina Verdant. “De forma similar, Curitiba já adota uma correção anual baseada no IPCA, o que torna o reajuste mais previsível”.

A capital paulista, por exemplo, limita o aumento do IPTU a 10% para imóveis residenciais, segundo a Lei Municipal 15.899/2013. Já a Planta Genérica de Valores (PGV) da cidade é atualizada a cada quatro anos.

“Por outro lado, em municípios menores e com cadastros imobiliários desatualizados, a chegada do CIB pode ter um impacto mais significativo. Cidades do interior, onde a Planta Genérica de Valores (PGV) está defasada, poderão usar a integração de dados para identificar construções não declaradas e fazer um ajuste no valor venal do imóvel. Nesses casos, a fiscalização mais eficiente pode resultar em um aumento considerável no imposto”, exemplifica o advogado.

E se o proprietário não concordar com o novo valor venal do imóvel?

“Mesmo com as mudanças trazidas pela Reforma Tributária, o direito do contribuinte de questionar o valor venal de seu imóvel continua garantido”, assegura Rafael Verdant. O processo segue o mesmo caminho: primeiro na esfera administrativa e, se necessário, na judicial.

Para contestação administrativa (ou seja, junto à prefeitura), o proprietário deve apresentar um pedido de impugnação dentro do prazo fixado pela lei municipal. Segundo Verdant, “é fundamental reunir provas consistentes que demonstrem a divergência entre o valor atribuído e o valor real do imóvel”. Isso inclui laudos técnicos, fotos, matrícula atualizada e comparativos de mercado com imóveis semelhantes na mesma região.

Se a impugnação administrativa for negada, ainda existe a possibilidade de levar o caso ao Judiciário. Nesse contexto, os instrumentos mais comuns são a ação anulatória e o mandado de segurança, que também exigem provas técnicas detalhadas. O especialista alerta que, com a integração dos cadastros e a digitalização das informações, “a precisão dos dados cadastrais do imóvel será cada vez mais decisiva para o sucesso de uma contestação”.

Perguntas frequentes (FAQ)

O IPTU vai aumentar automaticamente com a reforma?
Não. O risco existe, mas o reajuste depende da lei municipal e da atualização do valor venal.

Posso contestar o novo valor?
Sim, por meio de recurso administrativo ou judicial.

O que acontece se a metragem cadastrada estiver errada?
Você pode pedir a correção apresentando documentos como planta aprovada ou escritura.

O proprietário precisa fazer alguma coisa com relação às mudanças previstas na Reforma Tributária?
O principal é manter os registros públicos referentes ao imóvel atualizados, incluindo reformas e benfeitorias.

Jornalista Luiza Queiroz
Luiza Queiroz

Luiza Queiroz é jornalista formada pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), com especialização em jornalismo de dados pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). Acumula experiência em grandes veículos da imprensa nacional, como Veja, O Estado de S. Paulo e Casa Vogue, onde desenvolveu reportagens e conteúdos digitais sobre mercado imobiliário, arquitetura e decoração. Desde 2021, atua na equipe de checagem de fatos da Agence France-Presse (AFP), em São Paulo. Colabora com o Portas como jornalista autônoma, contribuindo com reportagens e análises sobre o setor imobiliário.

Luiza Queiroz é jornalista formada pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), com especialização em jornalismo de dados pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). Acumula experiência em grandes veículos da imprensa nacional, como Veja, O Estado de S. Paulo e Casa Vogue, onde desenvolveu reportagens e conteúdos digitais sobre mercado imobiliário, arquitetura e decoração. Desde 2021, atua na equipe de checagem de fatos da Agence France-Presse (AFP), em São Paulo. Colabora com o Portas como jornalista autônoma, contribuindo com reportagens e análises sobre o setor imobiliário.