
Apesar da inadimplência no financiamento imobiliário estar próxima do piso histórico, sua taxa média cresceu 0,6% entre janeiro e julho de 2025, após queda de 1% no mesmo período de 2024.
Prestações em atraso e inadimplência são duas métricas divulgadas pelo Banco Central para acompanhar a qualidade da carteira de crédito imobiliário direcionado. Há uma relação direta entre ambas: aumento das parcelas em atraso afeta diretamente a inadimplência. A transmissão não é integral nem automática. Parte das prestações em atraso são pagas e parte só é considerada inadimplência após 90 dias.
Em junho de 2025, cerca de 9,35% da carteira estava comprometida com atrasos, subindo para 9,37% no mês seguinte. A inadimplência está próxima do piso histórico. O percentual da carteira inadimplente se manteve constante, 1,14% da carteira, para o mesmo período. Para as duas métricas, os contratos com taxas reguladas têm maior participação do que os contratos com taxas de mercado.
Por que a inadimplência pode cair enquanto os atrasos sobem?
A exposição dos números contribui para algumas provocações. Primeiro, como a parcela de inadimplência pode cair enquanto a parcela de atrasos sobe? Segundo, por que olhar para a taxa de crescimento do percentual da carteira de crédito comprometida com prestações atrasadas e inadimplências importa?
Os números do crédito imobiliário mostram que historicamente a parcela de financiamentos em atraso cresce, enquanto a inadimplência recua. Esse movimento ocorre porque atrasos de até 90 dias ainda têm chance de regularização e não entram na estatística de calotes.
Além disso, dívidas acima desse prazo podem ser renegociadas, voltando a ser classificadas como adimplentes. Medidas como essas foram utilizadas durante a pandemia da Covid-19, quando programas de alívio evitaram uma explosão da inadimplência registrada.
Riscos econômicos e endividamento das famílias
A técnica contábil não garante viabilidade financeira às famílias. Os riscos que afetam a saúde financeira da linha de crédito são de ordem econômica. Entre junho de 2024 e junho de 2025, o endividamento das famílias com crédito imobiliário subiu de 17,6% para 18,25% do total das dívidas, segundo dados do Banco Central.
Os programas habitacionais federal, estaduais e municipais injetam dinheiro na economia e viabilizam o acesso ao crédito. Entretanto, a expansão do montante em atraso coloca em perspectiva a capacidade de pagamento das famílias, que depende de fatores exógenos aos programas habitacionais, tais como inflação, juros, renda média baixa e rotatividade no mercado de trabalho.
A tradicional regra de bolso (não comprometer mais de 30% da renda com o financiamento) é garantida apenas na assinatura do contrato. Durante a vigência do financiamento, não existe mecanismo que garanta esse equilíbrio.
Não à toa, os dados apresentados apontam maior concentração de atrasos nos contratos com taxas reguladas, que estão disponíveis às classes de rendas baixa e média. Assim, a saúde financeira da carteira de crédito imobiliário depende diretamente da sustentabilidade da economia e do aumento da produtividade, e não apenas da expansão do crédito.
Taxas de crescimento de atrasos e inadimplência
Analisar apenas os níveis de parcelas em atraso e da inadimplência pode gerar ilusões. As taxas de crescimento do percentual de parcelas em atraso e da inadimplência na carteira de crédito imobiliário têm dinâmicas distintas.
Entre janeiro e julho, a taxa de crescimento da inadimplência subiu 0,6% em 2025, após queda de 1,0% no ano de 2024, e chegou a registrar picos de 5% e 4,1% nos anos de 2021 e 2023, respectivamente. Já os atrasos tiveram evolução mais moderada, com crescimento médio de 0,4% entre janeiro e julho de 2025, após retração de 0,9% para o mesmo período do ano anterior.
O maior avanço recente ocorreu em 2022 (entre janeiro e julho), quando a taxa cresceu 4,5%, bem abaixo da oscilação registrada na inadimplência.
Apesar dos atrasos terem peso maior na carteira, alcançando 9,37% em julho de 2025, a inadimplência, embora em nível historicamente baixo, próximo de 1,09%, cresce a um ritmo mais acelerado. Esse é um sinal de migração dos contratos em atraso com taxa regulada para a situação de inadimplência.
Esse movimento pode ser explicado pelos fatores exógenos que afetam o orçamento das famílias, sobretudo das famílias de renda mais baixa.
Além da contabilidade: os desafios estruturais
Técnicas contábeis não resolvem problemas estruturais. Ela ajusta o risco visível na carteira, mas não altera o padrão de crescimento dos atrasos e da inadimplência. Devido ao prazo de tempo entre atrasos e inadimplência e a expansão das parcelas atrasadas, a expectativa é de crescimento da inadimplência.
Para ir além do diagnóstico, é preciso um conjunto de medidas que promova mais do que a entrada no circuito de crédito imobiliário. É preciso superar o crescimento econômico concentrado com aumento de renda média da população. Afinal, financiar um imóvel não implica em ter um imóvel.