
Goiânia está jogando um jogo próprio. Enquanto o crédito bancário para produção imobiliária encolheu no país, na capital goiana os canteiros seguem ativos — amparados por incorporadoras capitalizadas e por arranjos de funding que não dependem só de banco. A esteira local não travou. Explico o porquê e o que monitorar nos próximos meses.
1) Capital local e sociedade com investidores
Além da forma de financiamento mais tradicional adotada pela maioria das incorporações — SPE (Sociedade de Propósito Específico), que organiza juridicamente cada empreendimento como um “CNPJ do projeto” —, a SCP (Sociedade em Conta de Participação) tem presença mais forte na capital goiana. Como em outras cidades, os dois modelos convivem: na SCP, investidores entram como sócios participantes, aportam capital na obra e recebem parte dos resultados.
Na prática, esse arranjo tende a exigir maior complemento de funding via crédito bancário — especialmente em ciclos de juros altos —, o que aumenta a dependência dos bancos para viabilizar as obras e sustentar o ritmo de lançamentos.
2) Plano Diretor: a janela que empurra projetos para a rua
Mudanças recentes nas regras urbanas criaram áreas de “desaceleração” da verticalização em bairros valorizados (Bueno, Oeste, Jardim Goiás, entre outros). Quem já tinha projeto aprovado nesses trechos passou a ter pressa para lançar e não perder potencial construtivo.
Em termos práticos: ajustar altura e número de unidades, carimbar o que é viável e executar antes de a janela se fechar. Isso explica parte do ritmo atual de lançamentos, mesmo com crédito mais difícil.
3) Juro alto e a preferência por prazos de entrega mais longos
Com o crédito caro, muitos compradores reorganizaram o plano. Em vez do imóvel pronto, optam por entrar na planta e alongar a entrega. Assim, a entrada fica diluída durante a obra e a parcela mensal pesa menos.
Outro efeito: o financiamento fica para o fim, quando há chance de os juros estarem menores. Entregas de três a quatro anos já eram comuns; começam a surgir prazos maiores, com cerca de um terço do valor pago durante a obra e o restante na entrega das chaves. Para a família, isso dá previsibilidade; para quem lança, amplia o público potencial.
4) Preço, aluguel e velocidade de vendas
Como parte da cidade ganhou limites mais rígidos para novas torres, a oferta tende a diminuir nesses eixos. Com a demanda estável, os preços sentem pressão — tanto na venda quanto no aluguel.
Para o investidor, a régua continua simples: retorno de locação por volta de 6% ao ano é um bom “termo de comparação”.
Para quem lança, o que manda é a velocidade de vendas semana a semana. A janela regulatória empurra, mas o compasso vem da absorção: visitas que viram propostas, propostas que viram contratos e estoque que gira sem encalhe.
5) O lado bom — e o lado atento — do “clube de investidores”
O capital de investidores-sócios é rápido, silencioso e alinhado com a execução. Ajuda a fechar orçamento, evita ruído e mantém obra e marketing na cadência certa.
Mas pede disciplina:
- Escolher projetos pelo mérito, não pela empolgação do grupo.
- Alinhar expectativas de prazo e de saída. Nem todo investidor tem o mesmo horizonte.
- Formalizar bem a sociedade. Transparência em cronograma, orçamentos, riscos e metas de venda.
Não existe “rentabilidade garantida”. O que existe é produto certo, obra bem tocada e venda que acontece mês a mês.
6) Três movimentos práticos para os próximos meses
- (a) Velocidade com freio. A janela pede ação, mas o ritmo deve responder a sinais simples: procura no estande e no digital, reservas que viram contrato e giro do estoque ao longo das semanas. Ajustar a tabela rápido funciona melhor do que insistir num preço que não responde.
- (b) Prazos que cabem no bolso. Entrega mais longa, entrada fracionada e parcelas de obra acessíveis ampliam o público sem sacrificar o valor total de vendas. O objetivo é chegar ao financiamento final com conforto.
- (c) Produto útil no dia a dia. Plantas enxutas, varanda que serve de verdade, áreas comuns com custo de condomínio sob controle e manutenção simples. Isso protege o imóvel tanto na locação quanto na revenda.
7) O que pode dar errado — e como evitar
Concentração de oferta no mesmo público. Muitos projetos parecidos no mesmo eixo derrubam a velocidade. Saída: lançar em fases, variar tipologias e abrir frentes em setores vizinhos.
Euforia com dinheiro disponível. Capital não é sinônimo de demanda. Antídoto: comitê de precificação, metas de conversão e pontos de checagem para acelerar ou desacelerar.
Juro alto por mais tempo. Planejar cenários conservadores, testar sensibilidade de preço e revisar prazos de entrega ajuda a corrigir rotas sem traumas.