
Entidades do setor habitacional manifestaram preocupação com a possível mudança na estrutura de funding (fonte de recursos) para o financiamento imobiliário. Em falas recentes, o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, tem afirmado que procura alternativas para deixar o segmento menos dependente de recursos da poupança, salientando que a transição, se houver, será um processo longo.
“O BC vem falando há bastante tempo de uma visão de queda estrutural da poupança”, afirmou Galípolo no fim de junho, segundo o Valor Econômico. Essa queda, segundo ele, conversa com alternativas de aplicações muitas vezes mais rentáveis que existem hoje e sobre as quais a população tem mais informação e acesso. “Fica cada vez mais claro que a gente precisa migrar para um modelo de ‘funding’ que dependa menos da poupança.”
“Temos hoje mais de R$ 2 trilhões em carteira de crédito imobiliário no Brasil. O problema não é a falta de recurso, mas o custo do financiamento imobiliário”, afirmou Renato Correia, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), durante participação em mesa do Conecta Imobi, evento do grupo OLX realizado em São Paulo. Correia cobrou uma agenda de reformas administrativas e de eficiência do Estado brasileiro para ajudar a trazer a taxa de juros para um patamar mais baixo.
Para Luiz França, presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), é temerário que se mexa numa aplicação financeira que hoje ainda tem forte apelo entre os brasileiros. “Temos preocupação sobre qualquer alteração em um sistema que funciona muito bem. Se a poupança tiver de acabar, acaba por si só”, afirmou.
No primeiro semestre, houve mais saques do que depósitos na poupança, e o saldo total da aplicação caiu em quase R$ 50 bilhões. O volume de recursos na caderneta, no entanto, ainda está ao redor de R$ 1 trilhão, segundo o Banco Central.
França explicou que, hoje, para se chegar a uma taxa de juros atraente para o comprador de imóveis que depende de financiamento imobiliário, os bancos precisam fazer uma média entre os recursos captados pela poupança e os que têm origem em taxas de mercado, mais caras, como uma Letra de Crédito Imobiliário (LCI).
Já o presidente da CBIC ponderou que, no modelo atual, uma das vantagens do Brasil em relação a outros mercados são justamente as taxas subsidiadas para o crédito habitacional. “Enquanto a taxa Selic está em 15% ao ano, os juros do financiamento imobiliário estão abaixo disso, mesmo na classe média, para algo em torno de 12% a 13%. Isso só acontece no Brasil”, disse.
Para João Teodoro, presidente do Conselho Federal de Corretores de Imóveis (Cofeci), o desafio hoje é prover taxas de financiamento imobiliário adequadas para a classe média, segmento que mais tem sofrido com a alta dos juros na hora de comprar a casa própria. “A classe média está desprestigiada nesse debate sobre como viabilizar ‘funding’ para aquisição da casa própria”, afirmou.
Nesse sentido, França, da Abrainc, avalia que houve certo alento após a autorização de aumento do limite de financiamento pelo Minha Casa Minha Vida para R$ 500 mil. “Utilizando o Fundo Social do Pré-sal e mais a Caixa Econômica, houve injeção de R$ 30 bilhões em recursos. Tudo isso foi feito com a intenção de dispor recursos para a classe média”, disse. Ele lembra que, vivendo um bom momento, o setor imobiliário de luxo trabalha com um estoque de apenas 12 meses, enquanto o Minha Casa tem imóveis para um período de 10,5 meses.
Qualquer que seja o desfecho macroeconômico neste ano e em 2026, França crê que a busca por imóveis vai seguir com boa demanda. Citando uma pesquisa da consultoria Brain, ele lembrou que 49% dos brasileiros afirmam ter intenção de comprar um imóvel. “Nós temos hoje um déficit habitacional na ordem de 7 milhões de moradias”, disse.
Do ponto de vista financeiro, França também defendeu que os imóveis ainda oferecem boas perspectivas para os investidores. Segundo ele, quem comprou um imóvel nos últimos 5 anos conseguiu captar uma valorização acima do CDI, taxa referência para a renda fixa e que caminha junto com a Selic. “É um bom negócio e vai ser por muitos anos investir em imóveis”, disse.