
No capitalismo, o preço é o elemento que permite a execução das vontades de quem compra e de quem vende. No ideal teórico de livre mercado, ele fluiria livremente coordenado pela oferta e demanda em um equilíbrio perfeito. Entretanto, a economia real está longe da teoria: monopólios, oligopólios, informações assimétricas, poder de barganha e outras imperfeições inviabilizam o funcionamento do livre mercado, transformando-o em apenas um benchmark teórico.
O mercado imobiliário brasileiro certamente está distante do ideal de livre mercado. Entre as várias razões, o mercado carece de uma estrutura de transparência de informações. George Akerlof, prêmio Nobel de Economia em 2001, aponta que informação assimétrica pode levar a falhas de funcionamento, sobretudo em mercados de produtos usados ou de qualidade variável.
Os imóveis, por natureza, apresentam qualidade variável. O mercado lida diariamente com ausência de informação, sobretudo no segmento de imóveis usados. Essa escassez e acesso desbalanceado às informações distorcem os preços. Não é incomum observar preços pedidos muito maiores do que os preços de contrato, seja por ausência de referência ou por vieses comportamentais de proprietários e/ou de corretores.
Pesquisa da Datafolha de 2024, em parceria com o Grupo QuintoAndar, aponta que 2 em cada 3 brasileiros já deixaram de fechar contrato com receio de fazer mau negócio por conta do preço e que 84% consideram difícil obter informações precisas sobre o preço adequado de um imóvel.
Parte dessa desancoragem de preços é fruto de assimetria de informação. Assimetrias elevadas geram um ambiente de desconfiança e, por consequência, compradores, por temerem ser enganados, reduzem sua disposição de compra. A solução para essa irracionalidade econômica passa por desenvolver um mecanismo de transparência no mercado imobiliário brasileiro, promovendo um ambiente de negócios mais propício às transações.
A criação do Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB) representa o primeiro passo em direção à transparência em âmbito nacional. A iniciativa propõe uma plataforma de dados padronizados e integrados, consolidando informações jurídicas, fiscais, geoespaciais e econômicas que hoje se encontram dispersas entre cartórios, prefeituras, órgãos estaduais e bases federais. Ao unificar esses registros, o CIB inaugurará um processo de modernização que pode transformar um mercado opaco em um ambiente mais transparente, reduzindo incertezas e criando condições para aprimorar a estratégia de precificação e acelerar liquidez dos ativos.
Para o mercado de compra e venda, a existência de um cadastro confiável permitirá que vendedores e compradores negociem com base em referências reais, e não em percepções ou expectativas enviesadas. O acesso ao CIB também poderá eliminar práticas ineficientes, como reajustar gradualmente o preço do ativo em busca do valor de mercado ou de publicar múltiplos anúncios em plataformas imobiliárias com preços distintos para o mesmo imóvel. Ao corrigir o viés de sobreprecificação, desconfiança e ônus desnecessário com negociação, o CIB pode contribuir para redução do tempo médio de transação.
Entretanto, o CIB apresenta riscos e contradições estruturais. A transparência esperada depende de uma governança federativa complexa, capaz de coletar, padronizar e integrar milhares de informações dispersas em um país de dimensões continentais e níveis desiguais de infraestrutura tecnológica e mão de obra especializada. A gestão de um banco de dados dessa magnitude requer o compromisso de governos e agentes do mercado. Sem interoperabilidade efetiva, o CIB corre o risco de reproduzir a fragmentação em nova escala, tornando-se apenas um repositório de dados incompletos. Além disso, será essencial educar e capacitar os agentes que operam na ponta do mercado imobiliário.
Do ponto de vista da segurança de dados, também há desafios relevantes. O cruzamento de informações pessoais, patrimoniais e georreferenciadas exige uma arquitetura robusta de proteção de dados, em conformidade com a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), sob pena de expor informações sensíveis de milhões de brasileiros. Ainda nesse quesito, é preciso compatibilizar o entendimento sobre o acesso a essas informações, para que não haja múltiplas interpretações como é o caso da divulgação de dados do ITBI. Muitos municípios consideram ilegal a solicitação dos dados via Lei de Acesso à Informação (LAI). Enquanto outros, como São Paulo, Belo Horizonte, divulgam os dados online periodicamente.
Em resumo, o CIB é um passo necessário, mas não suficiente para reduzir a assimetria de informação no mercado imobiliário brasileiro. Ele inaugura uma nova infraestrutura de transparência capaz de reduzir riscos, alinhar expectativas e colocar o Brasil nos padrões internacionais de mercado. Entretanto, o sucesso dependerá da capacidade tecnológica dos municípios e cartórios, da coordenação institucional, da clareza regulatória, da metodologia de coleta e periodicidade de divulgação, da gratuidade do acesso e, sobretudo, da confiança dos agentes econômicos envolvidos no mercado. Serão a credibilidade do CIB e sua efetiva utilização pelo mercado profissionalizado que tornarão o setor imobiliário brasileiro mais transparente.

